sexta-feira, 26 de junho de 2015

Notas de rodapé

    

    Muitas vezes guardamos o título do livro por achar que ele sintetiza ou explica a obra. Outras vezes pensamos que o primeiro capítulo, como forma de fornecer um contexto e introduzir o assunto, é o suficiente para sabermos o que é tratado. Em alguns casos a sinopse ou a contracapa parecem dar conta do recado. Tem ainda as oportunidades onde lemos o final, como que buscando na conclusão ou última página entender o que aconteceu ou a moral da história. Há também aquele dia que abrimos bem no meio para buscar o âmago ou ápice do livro.

     Mas hoje não quero falar dos livros. Quero falar das notas de roda pé da vida. Não são os títulos luminosos, os grandes finais, a moral da história ou algo assim, mas é um detalhe que por fazer toda a diferença. Muitas vezes muda tudo. Desde o gênero literário, o grau de confiabilidade do escrito até o nosso futuro ou o meu passado.

    Trato aqui como notas de rodapé aqueles momentos micromágicos que vivenciamos e que dificilmente conseguimos esquecer. Não sei por quê. Não sei nem se sou só eu que tenho isso. Posso sofrer de uma doença rara e não sei. Micromomentismoseternos agudo.

     Não são aniversários, nascimentos, mortes ou datas especiais. Pode ser empurrar alguém no balanço em uma tarde de 1997; um abraço na volta das férias de inverno de 2014; uma fala durante um show em setembro de 2009. Uma pulseira, um desenho, um olhar. Sem um motivo que consiga explicar, mexem, ficam, servem. (são verdadeiras lições)

     Talvez seja isso o tal do aprendizado. A hora que cai a ficha, que conecta, que encaixa, que faz sentido. Provável que nenhuma das outras peças saiba o que pensei, senti e as consequências disso até os dias atuais. Essa semana que escrevo posso citar ao menos dois momentos.

     Experiencia em trocar ideias com pessoas de diferentes áreas no palácio do ministério público, viagem até Caxias com especialistas em temas que me interessam muito, debate com estudantes de diferentes opiniões... mas o aprendizado maior foi na observação de uma atitude. Durante o debate, ele silenciosamente pede licença e sai. (ficou bravo? Foi fumar um cigarro? Banheiro?) fiquei no palco nem mais prestando atenção nos colegas debatedores, mas intrigado.

     Em todo auditório, poucas pessoas não se entusiasmaram com o que foi discutido. Encantados em defender a proposta, todos fomos agressivos ao defender nossos argumentos que são facilmente sustentado ao responder as críticas (ou melhor, reclamações. Por não conterem argumentos embasados ou proporem uma alternativa). Em resumo: Um casal foi metralhado por pensar daquela forma, no mínimo incoerente e preconceituosa. (não sei se por ter de ouvir esse discurso quase diariamente, não fiquei chocado com aquela forma de pensar).

     Ele depois de ouvir em silêncio, saiu. Era o que estava mais embasado em discordar daquela aberração, era o que mais tinha argumentos. Ele podia ser ovacionado por todos os demais do auditório. Ele estava lá na rua fria de Caxias explicando melhor para o casal. Talvez o casal não mude de opinião. Talvez nem pense mais no assunto. Talvez todo o esforço, preparação e discussão da palestra fosse nada, a moral estava ali na cerração gelada do estacionamento. Entre ele e o casal.

     O show foi ensaiado. Autorizado. Fez-se set-list. Todos equipamentos em três viagens. Perde trabalho. Mata aula. Cancela jantar. Briga com ela. Negocia com ele. Por favor, porra. Luz, som, gente. Experiencias diversas outra vez. Erros, falta de organização, desrespeito, perdão, respeito, orgulho, humildade. E onde menos vem é que mais se espera? O aprendizado maior não veio em isso tudo.

    Ela, no meio de meus transtornos. No meio de tudo. Aquela fala que era minha. Aquilo que eu digo. Ela reproduziu. Eu identifiquei. Mudou tudo. E quem só ganha perde a honra de chorar. Mas e o que é perder? ganhar? Procurarei meu filósofo do empate. Mas na comemoração esquecemos. A vitória pode cegar e a derrota paralisar. Entre choro e grito, um abraço. O abraço. Meu prêmio. Ali eu tinha derrotado a simples vitória. Empatei. Essas três pessoas nem sequer vão imaginar o que aprendi com elas essa semana. Eu nunca vou esquecer. A gente aprende é nas notas de rodapé. 

* Na foto, a banda tocando um rock and roll no sábado de manhã (no Marista Graças) da semana citada. (algo que gerou algumas notas de rodapé) O negócio é misturar!

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Tolerância



Lembro que há alguns anos eu pensei que talvez o conceito que a sociedade mais precisava era a tolerância. Nessa época eu fazia pós-graduação e pesquisava sobre música e cultura brasileira. Trabalhava sobretudo com jovens adultos, onde compartilhava esse olhar para a arte e identidade através dos mais variados debates dentro das ciências humanas.  Porém, me questionava se o termo seria o mais apropriado, uma vez que a crítica, revolução, utopia, m pareciam muito mais uteis para nós todos.

Atualmente, trabalhando com estudantes mais jovens e pesquisando sobre educação não formal e sistema carcerário, tenho tentado compartilhar que a revolução só se alcança se passarmos por alguns estágios. A crítica é essencial mas dependendo de como é feita, se transforma em mera reclamação. A utopia é o alvo, mas precisamos dar o primeiro passo. Então é aí que volta, com força total, o termo de Tolerância.

Não só no contexto pessoal, mas na sociedade em que vivemos atualmente, talvez nunca tenha se feito mais preciso a tolerância. Na questão política partidária, nas religiões, nos esportes e em especial no futebol, nos movimentos socais...

A religião, como elemento que mais levou a mortes ao longo da história, segue não conseguindo praticar a tolerância. No contexto mundial através do Estado Islâmico e no contexto nacional através da Bancada Evangélica e seus aliados, vemos que democracia, o regime da tolerância não combina com a intolerância religiosa.

A questão não é o islamismo ou o protestantismo evangélico. Pensar assim de forma generalizada já é intolerância. Mas a interpretação que se faz, radical, nos leva sempre a intolerância. O problema é que aí até as coisas que estão em busca de um bem maior podem se contaminar. As feministas e seus direitos totais de ficarem indignadas com a sociedade que parece uma propaganda de cerveja, de tão machista. Os homossexuais e seus direitos totais de não aceitarem as medidas preconceituosas de determinadas religiões.

Mas, mais uma vez o profeta estava com a razão e a emoção. Se gentileza gera gentileza, intolerância gera intolerância. Assistindo a uma partida de futebol, fazendo um show de rock, participando de um debate acadêmico ou de uma gincana escolar, isso fica visível.
Eu quero paz com liberdade, amor sem ódio e igualdade na diferença. Isso é utopia, mas para atingirmos precisamos dar o primeiro passo. A Tolerância.

Tolerância é ouvir mais que falar, pensar mais que agir, se colocar no lugar do outro. É voltar atrás, é dar braço a torcer, perdoar, engolir. Respeitar. É diálogo, é troca, é empate. Não é o mais bonito, mas é a base. Não é minha utopia. Mas é o primeiro passo.

Aprender, praticar, compartilhar. 

terça-feira, 2 de junho de 2015

Reformas, construções, Cunhas, Blatters, Patricias e Évretons


Sentei para escrever sobre a redução da maioridade penal, proposta de derrubar a lei do desarmamento, críticas ao “mundo do futebol”... Temas que cada vez mais me convenço, é difícil trabalhar em uma sociedade que quanto menos sabe mais fala com intolerância da verdade absoluta.

Essas questões de violência estão fortemente ligadas ao conceito de intolerância que é alimentado pela velocidade das redes sociais. O bom é que o povo tem voz. O ruim é que não tem argumentos. Acabam sendo apenas caixa de som que amplificam uma mesma voz.

Mas eis que as besteiras que o presidente da câmara Eduardo Cunha tenta colocar aceleradamente para votação, os problemas de violência, a alienação útil da (falta de) educação, autonomia de jovens (amplificadores), e esses mesmos temas sendo escancarados no mundo do futebol.... no meio de tudo isso escuto uma canção! Ela me faz esquecer tudo e me leva para a rambla de Montevidéu.

Em uma noite drogada,  no centro de Montevidéu, estava eu em uma festa numa casa abandonada. Fui com uns caras que conheci horas antes num albergue. Teria um show,  os músicos eram esses meus mais novos amigos. Um argentino, dois uruguaios, compomos algo de tarde,  antes de pegarmos um ônibus pro show.

Lá cerveja de litro,  papos a kilo e gurias a metro.  Era um banquete e eu ali com fome de novidades.  Teve apresentação de violino, filme preto e branco e o resto foi tudo colorido. 
No outro dia acordo pro café (da tarde) com a notícia de que teria show de brasileiros.  (Era a galera do olodum). Meu colega baiano queria ver o que era ser baiano. Eu queria saber ser brasileiro. Com uma loira de SC fomos pra parada tentar descobrir qual o ônibus iria pro lugar do show que não sabíamos onde seria.

Encontrei uma argentina, meio hippie, gostei. Descobri que era musicista e tocava na orquestra da cidade do Che Guevara.  Conversamos até o fim do show.  Na volta, por ser brasileiro, carona na van do olodum. 

Segunda feira tem aula. Discutir política, educação, brincar de corrida de caranguejo no corredor e comer no chinês que é mais barato. Pra de noite sobrar grana pra pizza com ceva, onde o garçom discute sociedade com mais argumentos que o professor e a garçonete encanta mesmo em silêncio. 

Era no bar que recebia sanduíche da brasileira aposentada que queria  conhecer o mundo e alimentar melhor o estudante sonhador. Entre um gole e outro, mais um trabalho feito.  Artigos lidos e dia finito. 

Bah que saudade da minha rotina Uruguaia do mestrado!
Mas acorda Ralph, aqui estamos preocupados com o futebol, então vamos tuitar algo do meu time contra os adversários e enquanto a grana rola entre eles, a intolerância e a violência entre nós  eu grito gol! Algum Blatter sempre estará lá a olhar por nós! ( rir de nós). Pro professor digo que não li porque não lembrei, mas discuti política com um pai. Temos que tirar a Dilma e 16 anos pode votar, tem que ser preso então!!! e temos que ter nossa arma em casa, afinal ta tudo muito violento. (aqui ainda posso ser irônico). Afinal a culpa é da Dilma, do professor e do pessoal da periferia.  

“.Acabei de receber uma promoção, vou virar mestre de obras. Terei uma obra só minha em Canoas. Dedico ela a ti pois teus pensamentos mudaram os meus”. Recebi ontem antes de dormir essa mensagem de um ex estudante do EJA. Por mais saudade de Montevidéu, talvez  aqui a educação possa construir um novo país.. Se tivermos mais pedreiros, assim!!!!! Afinal mudar de lugar é fácil, mas mudar o lugar... Melhor é abrir uma Patricia, responder a hippie e seguir a construção.

Não sei dizer eu amo vocês, então torço que as atitudes sejam entendidas. (as vezes precisamos uns "nãos")