Eu tenho que confessar algo. Falo palavrão. E o pior, não
vejo problema nisso.
Já tive muitos problemas por conta desta prática. Uma
simples reclamação no trânsito pode se tornar um grande problema por causa
disso. Uma aula sobre a complexidade do ser em filosofia pode se tornar nada,
por isso. Um elogio para a namorada pode se tornar uma ofensa por causa disso.
E já repensei tanto sobre isso. Não consigo.
Sou bastante crítico e na mesma medida, sensível. Essa
combinação pode ser perigosa, mas me agrada quando a vejo em alguém. Porém para
quem tende a lidar com estas características, comumente, sobretudo quando gosta
de debater, discutir, trocar, conversar, sobre tudo, age com a dupla:
razão/emoção e, no meu caso, como filho geralmente sai um palavrão. É uma
expressão do que estou sentindo, pensando, lutando, sonhando.
Semana passada, estava explicando para um estudante que o trabalho
de ação social que teria que fazer tinha que ser algo realmente bacana! Algo
que mexesse de alguma forma com eles e com demais seres sociais. Ele veio me
falar de trabalhar a solidariedade, abraços grátis, carinho ao próximo...
baseado em um vídeo bacana que anda rolando por aí. Falei que podia ser algo
nesse sentido, mas podiam se esforçar mais ainda. É um trabalho que realizei já
em diferentes escolas e os estudantes, geralmente em grupo, tem que apresentar
alguma ação que vai “mudar o mundo”. Não raro, passo primeiramente o filme
“corrente do bem” para puxarmos o projeto. Discutimos, lemos, trocamos,
fazemos. Geralmente saem trabalhos lindos. Desde ações em creches, asilos,
doação de sangue, conscientização sobre os mais variados temas, de forma
tocante e que traz muito mais que conceitos ou notas, sensações prazerosas para
mim, para os componentes dos grupos, colegas que assistem e as pessoas que
recebem a ação social.
Mas para explicar o trabalho, deixei escapar que tinha que
ser algo foda.
Foi meu erro mortal. Ali já não importava nada.
Uma mãe que estava ao lado, e até então não tinha visto,
perguntou quem eu era. Reclamou para a tia da cantina. Deve ter falado para o
marido, a vizinha, a irmã, o amante, as professoras e o diretor. Onde já se
viu, um professor assim. Por isso a educação está desse jeito.
Não, não sei se ela falou isso. Mas por ter experiência na
área e já ser chamado algumas vezes por algo parecido, imagino. Geralmente meus
coordenadores, diretores e afins, me conhecem e dizem que estão fazendo para
cumprir a norma e etc. Que talvez para eu tentar usar uma outra palavra, se
der. Não da. Nunca da.
Acredito que seja um defeito meu, mas por que não mudar
então a tia que ouviu tudo e só escutou o “foda”. Prefiro mil vezes falar um
palavrão do que agir como um palavrão. O palavrão é uma palavra. Afinal, porque
podemos falar fazer amor, transar e não podemos, de forma alguma, falar foda.
Sem contar que ela nem entrou como algo relacionado ao sexo.
Nunca esqueço de um sarau que organizei com saudosos
estudantes muito queridos de um curso técnico em biblioteconomia . Foi tudo
muito tri! No final ainda, recebi uma homenagem muito linda deles, e ali, sem
saber o que dizer, só consegui dizer “bah, vocês é que são foda”. Minha
diretora da época estava lá. Ela me olhou... uma senhora, uns 60 anos, muito
elegante, inteligente, refinada, séria e acima de tudo, comprometida com a
educação. Ela me olhou, eu já pensando sobre o palavrão que escapou, imaginando
o que eu falaria para me desculpar, deveria estar vermelho e trêmulo... depois
de alguns segundos ela disse “Foda é tu Ralph”. Guardei como um dos mais
importantes elogios da minha vida.
Tem palavras que hoje são palavrões e chocam e daqui 10 anos
serão corriqueiras. Como do contrário também existe. Um exemplo para ilustrar:
Coitado. Coitado não é palavrão hoje. Para quem não está ligado, coitado vem de
alguém que sofreu coito. Pois é...
Como reflexão sobre isso, deixo uma música que gosto muito!
É linda e provocativa sobre esse tema.
Para a senhora essa que me ouviu na cantina: Com todo meu
respeito, vai se... preocupar com algo
mais importante.