Quando eu comecei a dar aula para estudantes em uma escola formal (o que
significa “normal”?) eu, que sempre me interessei mais pela educação não formal
(anormal?) fiquei um pouco inseguro, criei expectativas e medos, como os que
envolvem qualquer mudança. Logo de cara me informaram que na turma do sexto ano
teria um estudante diferente. De cara eu abri um sorriso e disse que adorava “coisas
diferentes”. Mas no fundo senti que algum desafio estava por vir.
Eu não sabia nem o que uma criança de sexto ano fazia. Já caminha? Fala?
Quantos anos tem esses projetos de gente? E logo no primeiro dia de aula o
conheci. Olhar atento. Movimentos rápidos. Gargalhada alta. Simpatizei com ele
de cara.
E agora chegou a hora de se despedir. E
como faz?
Me falaram que teria que ter paciência com ele. – Mas na verdade ninguém
tinha tido tanta comigo. Demorei pra perceber a forma dele se expressar. Eu sou
lento para velocidade dele. Me disseram que deveria cuida-lo. – Mas não lembro
de alguém ter cuidado tanto de mim. Nos momentos mais difíceis ele simplesmente
sentava do meu lado. Ficávamos em silêncio. Mas era suficiente para me sentir
bem. Pediram para eu ajuda-lo com memória. – Porém ninguém foi tão eficaz com
as coisas que realmente merecem povoar nosso lembrar.
Como professor, tinha que reconhecer cada avanço dele. – Só que quem
percebia cada mudança em mim era ele. Cada vez que lembro o abraço que ganhei dele
quando soube que consegui realizar meu último grande sonho, me emociono.
Eu deveria também ensiná-lo, mas por
whats app, conversas no corredor, tardes de voluntariado, eu é que aprendo
tanto com ele.
Ele que exercita o olhar diariamente. Tem a grandeza de ver as pequenas
coisas. Pensa sempre nos esquecidos. E ao invés de longos discursos, provas
gabaritadas, faz silenciosamente, quase escondido, a lição de humanidade que todos
deveríamos realizar.
Não sei como vai ser agora que ele sair
da escola. Me preocupo.
Será que conseguirei seguir sozinho sem
seu olhar, atenção, cuidado, ensinamentos...?
Como vai ser ano que vem começar as
manhãs sem ouvir três vezes o meu nome antes de saber as novidades do mundo.
Quanto a ele, sei que vai se dar bem. E
fazer o bem a quem estiver a sua volta e permitir-se enxergar e ser tocado. Ele
é diferente. Realmente, diferente. Agradeço a vida ter me permitido ter
encontrado.