quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Independência (de quem?)

   

 Brasil é um Estado que não é nação, dizia Renato Russo. Mas o que isso quer dizer? Na busca de “descobrir” que país é esse, o Renato faz uma afirmação interessante. Segundo ele, o nosso país era sobretudo território. (Tal qual foi durante todo nosso longo período colonial). Nação é ir além de terra. Nação é o conjunto de símbolos, cidadãos e sentimentos.

   Justamente essa ideia de nação é o que devemos problematizar. O que nos une é o sentimento de pertencimento, que é impulsionado através de símbolos, cores, bandeiras, hinos e histórias. Mas como unir-se a história que ignora o processo da conjuração baiana (onde escravos buscavam além da abolição da escravatura, a independência do país), mas faz questão de eternizar o momento em que o filho bundão do rei, diz que vai ser o novo rei do país. (Grito da independência).

     Nossa independência já dava sinal que iriamos esquecer a história dos humildes, trabalhadores, escravos... e iriamos eternizar, de uma forma ‘glamourosa’ os a contecimentos de uma elite. Nossa independência começa com um nepotismo (de pai pra filho), com uma mentira (como no quadro que simula uma batalha, cavalos e uniformes...) enquanto de fato Dom Pedro I se movia com mulas e estava com uma forte diarreia. Também corrupção, já que nós tivemos que pagar uma quantia considerável para Portugal em troca da autorização (sim, teve isso) para a nossa independência.

     Após a “independência”, mantivemos a escravidão, não tornamo-nos uma república (diferente da independência dos EUA, Haiti, América Espanhola e etc, etc...) Brasil manteve-se como monarquia. Ninguém votava! Nossa bandeira foi tirada do brasão da família real (que governou o Brasil por 400 anos, dos 517). Sim, uma família (orleans e Bragança) nos “governou” de 1500 até 1889, quando proclamamos a república. De lá pra cá tivemos Dom Manuel, Dom João, Dom Pedro I, Dom Pedro II... Mas isso já é outra história.


      Por fim, não fica aqui um pensamento de vergonha da nossa história ou algo assim. Mas a reflexão para que problematizemos o nosso passado, e principalmente o nosso presente. Que nos orgulhemos de movimentos como a Conjuração baiana e, percebamos que as personagens históricas que devem ser lembradas nesse dia somos nós. Nós, que devemos ser não só atores, mas principalmente autores da nossa própria história. Que possamos ter respeito e orgulho por todos e todas aquel@s que lutaram e lutam por transformar o Brasil em um país mais justo, digno, igualitário e fraterno. 


* Na imagem, Rafael Braga, para vermos como a história continua esquecendo alguns e lembrando outros. Negros, pobres e periféricos, continuam não tendo espaço de protagonismo...mas lutando por liberdade!

segunda-feira, 19 de junho de 2017

E se nada der certo, o estigma continua tatuado



 O episódio do tatuador que marcou um adolescente, o qual supostamente teria tentado furtar uma bicicleta nos revela uma marca profunda da nossa sociedade. Desde os tempos do Código de Hamurabi que a frágil confusão entre justiça e vingança se faz presente e é notada em meio a relações de poder.

Semelhante aos tempos medievais onde o suplicio marcava uma forma de castigo onde o torturador cometia outro crime, muitas vezes de maior gravidade, ao torturar e matar o acusado em frente ao povo, a tortura ao jovem paulista é um caso que nos faz pensar o estágio em que nos encontramos. Segundo familiares, o adolescente de dezessete anos que sofreu a violência possui problemas mentais e envolvimento com drogas.

   Nas redes sociais, meios de comunicação ou rodas de conversa o tema se faz presente e divide opiniões. Muitos compartilham e curtem o vídeo que mostra a violência do tatuador e do pedreiro com o menino. Comentários de apoio à atitude, de incitação à violência e ao ódio expõem a intolerância.

A descrença nas instituições públicas, nos representantes políticos, em meio à sensação de insegurança, reforça atitudes cada vez menos racionais. Em uma sociedade onde a velocidade está cada vez maior e a pressa faz com que as pessoas comentem a reportagem antes de ou julguem antes de saber do processo, corremos de ir para um caminho sem volta. É necessário pararmos e refletirmos.

Questões como revogação do estatuto do desarmamento, redução da maioridade penal ou pena de morte são mostras de um posicionamento onde instintos como medo e a raiva sobrepõem a racionalidade.

Vivemos em um momento onde a falta de empatia, tolerância, tempo e interpretação de texto, nos fazem reforçar estigmas e estereotipar de forma violenta todos aqueles que nos cercam e parecem diferentes.


Os eventos recentes de recreios temáticos em escolas privadas no Rio Grande do Sul vão ao encontro dessa prática e demonstram como se nada der certo, continuaremos tatuando os preconceitos e as desigualdades em nosso país. 

* Texto publicado no jornal Zero Hora. 

terça-feira, 25 de abril de 2017

Porquês, baleias e diálogo!


   Defendo, desde minhas recordações mais remotas, a liberdade e o dever de discutir todos os assuntos. Especialmente a partir da minha jornada como educador. Desta forma, creio na educação como a principal arma para enfrentar o senso comum, seus preconceitos e intolerância. Adotando um tom mais cientifico, intelectualizado e sobretudo na construção de um pensamento crítico, penso que a escola é lugar de debater todos os assuntos.

     Fujo dos jargões “política e religião não se discute”. É somente a partir da reflexão e do debate que podemos avançar e tomar decisões mais racionais, levando em conta a tolerância, o respeito e o bem estar da população. Não discutir política só nos torna mais ignorantes e idiotes (termo que deu origem ao idiota, mas que se referia aos gregos que não participavam das decisões política na Grécia antiga) O tal do Analfabeto político, de que Brecht trata.

     Morte, suicídio e depressão são outros temas que devem vencer o tabu e nos trazer reflexões, estudo e debate. Claro que como qualquer outro tema, requer cuidados, responsabilidades e questionamentos na condução da reflexão. Sugiro que nos afastemos dos extremos da paranoia ou da ingenuidade.
     Não é uma série ou um jogo (13 porquês e baleia azul) que deve ser o foco da conversa. Equivale dizer que a culpa da corrupção é existir dinheiro. O que devemos é entender estes aspectos como estopins ou gotas dagua que podem nos levar ao tema central. (Por que tantos jovens se interessam pelo jogo e pela série??)

     Saliento a importância da diferenciação nesse assunto. A série e o jogo não devem ser tratados como sinônimos ou algo do tipo. São questões bem diferentes. Assim como tristeza e depressão. Mas a questão central é ter sido preciso um jogo que envolve suicídio ou uma série que aborda também o tema, para as pessoas perceberam algumas coisas. (e da pior forma)

     Muitos pais e mães apavorados pensando que os seus filhos podem vir a se matar por assistir uma série, ler um livro ou alguém da sua escola estar jogando algo. Mas não percebem o seu filho diariamente. Antes de perguntar como ele está, manda email para escola querendo saber o que a gente está fazendo para reverter o tema da morte!

     Se acompanhassem mais os filhos/filhas perceberiam que bullying, preconceito, morte e doenças psicológicas são temas recorrentes das atividades escolares. (fala do contexto em que estou envolvido). “Prezada mãe, eu falo disso desde o 8 ano com seu filho. E você? “ De novo a linha do equilíbrio. Não cair na paranoia exagerada que afirma todos estarem fazendo o jogo (o número é infinitamente menor do que as correntes de whatsapp mostram falsamente) e a série pode e deve ser assistida pelos pais para entender muito da realidade dos jovens. (Quem sabe está ai um motivo pra você sair do whats/face e fazer algo com o filho/a).

     Mais uma vez o equilíbrio: Ao mesmo tempo que não devemos nos apavorar crendo que quem assiste a série vai querer se matar ou que todos vão morrer no jogo da baleia, não devemos minimizar a doença depressão ou a tristeza humana. Conversar é sempre o melhor caminho! Com familiares, amigos, professores, CVV, psicólogos....

     Importante salientar por fim o quão pode ser produtivo trocar o conceito de “culpa” (reforçado pela cultura judaico-cristã) por responsabilidade. Não auxilia pensarmos em culpa. É no mínimo reducionista. E sim pensarmos em responsabilidades (no plural). Tod@s nós temos responsabilidades em nossas ações.

     Não foque na gota d’água mas no que fez o copo encher para que possa transbordar com uma mera gota. Debater suicídio e a morte é valorizar a vida. Há alguns desafios do bem, como o baleia rosa e etc. rolando por aí. Estou criando um próprio para algumas turmas que trabalho! Mas talvez o principal desafio seja a a aproximação, o dialogo e o conviver! Vamos lá!

Ps: Se você leu aqui e precisa de algum apoio, estamos aí!

Sugiro que faça uma lista com 13 porquês deve se manter vivo! Caminhando e compartilhando. Quais são teus motivos? inspirações? pessoas? objetivos e tudo mais que te mantém caminhando...

CVV é o centro de valorização a vida - Atendimento emocional/psicológico e prevenção de suicidio via internet/telefone/presencial totalmente gratuito. http://www.cvv.org.br/


terça-feira, 18 de abril de 2017

Na educação é preciso ouvir...

 Vivemos tempos complicados no tocante a educação. Desde a esfera municipal até a federal, mudanças estão sendo tomadas sem a escuta de professores, especialistas ou estudantes. A educação é a arte do encontro. E este pressupõe contato, dialogo e troca. Ou voltamos ao modelo tradicional, onde somente um ordena e os demais obedecem. Ensino bancário, que identificam períodos ditatoriais.

Os avanços da educação nos últimos anos estão sendo colocados de lado. Exemplos de países que desenvolveram bastante os resultados educacionais também estão sendo ignorados. O Brasil marcha na contramão do que se pensa ser a educação do século XXI.

Documentos construídos e discutidos mundialmente têm sido negligenciados nas novas ordens dadas sobre a esfera pedagógica em nosso país. A construção do conhecimento interdisciplinar, desenvolvendo habilidades e competências, avaliação nas esferas conceituais acadêmicas, tecnológicas, políticas e éticas tem ficado no passado.

 Não é objetivo dissertar sobre os elementos construtores de uma educação que a própria UNESCO pressupõe como ensino de qualidade, mas questionar a forma que as mudanças vêm sendo tomadas. Sem ouvir os principais personagens da história: educadores, especialistas e estudantes.

Temos a ameaça do Escola Sem Partido, projeto que busca formar analfabetos políticos, sobre o pretexto de existirem professores que doutrinam os jovens. Importante lembrar que foi o medo do comunismo que nos encaminhou para a ditadura de Vargas (1937 – 1945) e a ditadura militar (1964 -1985). Períodos que adotaram modelos educacionais próximos ao que estamos caminhando novamente. Lembro ainda que essa acusação de doutrinação não é novidade, uma vez que o filosofo Sócrates, já na antiguidade foi condenado à morte pela mesma acusação.


Além desse deplorável projeto, assistimos as trágicas medidas de mudança no Ensino Médio propostas de cima para baixo pelo governo federal e as conturbadas alterações ordenadas na rede municipal. Quando vamos ouvir os educadores? 

* Na fotografia, uma frase que gosto muito. E deixa no mínimo dois grandes questionamentos: a) Não adianta um discurso bonito e faltar ações. Não adianta rezar sem mexer os pés. É preciso atitude. 

E a diferença entre grafite e pixação que vai muito além do senso comum de "um é arte e outro vandalismo". Será mesmo??  Mas isso já é tema para outro texto. 

terça-feira, 21 de março de 2017

Você tem Medo de que?

     


     Talvez o medo seja o mais maléfico dos sentimentos. Ele é pai do preconceito e intolerância. Ele nos paralisa e evita a mudança. Atrasa o novo,  cala a alegria, nega a harmonia em função de uma falsa paz. É terreno propício para a violência, fomenta a dor e impede que as coisas aconteçam. 

     Seja olhando para a história mundial ou brasileira podemos facilmente identificar o medo como principal elemento dos contextos mais horríveis da humanidade. O medo fez surgir os regimes mais ditatoriais e sanguinários. O mesmo medo fez eles persistirem no poder. O medo nos levou as nossas ditaduras brasileiras. O medo do desconhecido, do diferente... que podia ser o "comunismo", a reforma agrária, o liberalismo, a globalização... interessante que o medo nos colocou sempre numa situação pior do que ele nos avisava. 

     O cuidado não é medo. Ele é necessário para uma segurança maior. Tô falando do medo que beira a paranóia, que nos afasta do racional. E isso é o que ocorre também dentro de cada um de nós. O que já deixou de fazer por medo?  Tua vida é o que sobrou, do que não fez por medo? 

     Medo de expressar aquela opinião?  Medo do que os outros vão pensar? Medo de estar errado? Medo de não conseguir?  Medo daquele relacionamento?  Medo de decepcionar?  E assim tu não fala, não faz,  não vai, não vive. 

O medo é vencido quando se enfrenta. Vai! Perca o seu medo da chuva... 

     Vejo medo entre os meus compatriotas (o que aumenta a crise, para o país, gera mais insegurança no estado e menos vida na cidade) vejo medo entre meus vizinhos (o que gera menos chimarrao na calçada, cumprimentos no corredor ou conversas no elevador) vejo medo entre meus colegas (o que gera menos inovações, mais disputa e menos harmonia), vejo medo entre meus estudantes (o que que gera pressão, ansiedade, choro e cursinho no próximo ano), vejo medo nela (o que não se gerar), vejo medo nos amigos (o que não os faz expressar), vejo medo em mim (o que me faz escrever).

O medo faz a gente construir os muros... em todos os sentidos!    sejamos menos Trump. 

quarta-feira, 1 de março de 2017

Manchester a beira mar ou resistência, olhar para dentro, ela e estrelas.


Manchester a beira mar é um filme que merece ser visto. 

     Não digo pela repercussão que teve enquanto indicado ao oscar, mas pela repercussão que ele pode ter dentro de você. Cada vez mais distancio o oscar do cinema. Enquanto o segundo merece todo meu respeito o primeiro só se mostra uma indústria brega fechada nela mesma. Sem dúvida que ele da uma visibilidade maior para bons filmes e ainda faz com que possamos ver atrizes espetaculares junto com caras vestidos todos iguais. (E eu juro que isso me incomoda hehe. Sou muito mais de uma Emma Stone ou Jennifer aiston de vestidinho, saia hippie ou calça jeans do que com aquelas produções toda. Da mesma forma que não entendo por que os homens têm que se vestir todos iguais pra essas festas formais. Coisa sem graça). Mas convenhamos que as mulheres se vestem do jeito que quiserem. E que eu não devo ter moral nenhuma pra falar de roupas. Então, voltamos...

     Manchester é um filme tenso. triste.Carregado. Pesado. E ele é assim ao longo das quase duas horas. Não há um momento de tristeza mas é aquele tom (o melhor do filme) que vai nos transportando para um clima de vida que parece mais de rua do que de tela. A simplicidade de pequenas coisas que nos mostram a grandeza de se levar a vida complexa que cada um de nós carrega. Um filme que nos faz pensar sobre o que cada um carrega dentro de si. As amarguras e as delícias. 

A história nos faz entender que a vida é mais uma prova de resistência do que de velocidade. Também dá pra refletir sobre o tempo de cada um. O tempo é soberano. Ele é juiz. Mas é claro que podemos advogar a nosso favor. Pena que muit@s não tentam.  

     Traz ainda a questão de culpa. A qual prefiro utilizar conceito de responsabilidades. E dividir com outras pessoas, causas,  oportunidades, sortes e acasos. Não creio na física de causa e efeito. Tão pouco na religião de causa e efeito. Pra mim, tudo é mais complexo e processo. Muito mais plural que singular. 

Por fim, da pra pensar sobre a valorização. O encontrar a tua âncora mas também o teu vento. O que te faz andar. Respeitar a vida e teus sentimentos. 

E se no meio de tantas estrelas ele só enxerga a que não brilha por ele? 
Olha pra dentro,  olha para os lados... El@s sempre estarão ali.
A partir de agora a responsabilidade não é mais sua. 

domingo, 29 de janeiro de 2017

La la land: entre sonhos e realidades.

     


      La la land é um filme superestimado. Não digo isso por não ser o maior fã de musicais, mas por não acreditar que seja digno de tantas indicações ao Oscar. 

     Mesmo não sendo o maior admirador dos filmes que são contemplados com essa premiação, fiquei um pouco decepcionado com esse longa. Mas já adianto que o culpado não foi o filme!

     A questão não é o filme ser ruim. (Quem seria eu para classificar universalmente algo como Bom ou ruim). Mas a expectativa, como de costume, atrapalhou. 

     Tem um roteiro quase óbvio, até o final, que surpreende e traz o ponto alto do filme. A fotografia é excelente e ela traz uma cor realmente interessante. A atuação do Ryan Gosling é sensacional. A Emma Stone também está lá, com toda aquela sua beleza. 

     Destaco ainda a forma que o musical aborda o jazz. Traz uma visão poética e uma refrescância sobre esse gênero tão importante pra música e sociedade. As músicas que são interpretadas e a paixão com que o ritmo é abordado, realmente contagia.

     Mas a grande tônica é a relação de sonho e realidade. Isso o filme faz muito bem. Correr atrás dos sonhos ou viver a sua própria realidade?  E há como misturar os dois caminhos?  

     Entre expectativas,  decepções, música marcante, passinhos marcados e surpresas, o filme merece ser assistido. 

E fica a reflexão: sonhamos para poder suportar a realidade?  Os sonhos deixam a realidade mais decepcionante?  Deveríamos sonhar mais? Se contentar mais com a realidade?  


     De novo trago o Epicuro e o “quanto menos desejos, mas fácil a felicidade” e o Pessoa “Não sou nada, mas guardo em mim todos os sonhos do mundo”. Não necessariamente precisamos contrapô-los. E talvez essa medida do equilíbrio seja o melhor do La La Land!  Vamos sonhar uma nova realidade” Pés nos chãos mas cabeça nas nuvens. 

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

APAC: uma ilha de possibilidades.

     
                                    

     As tragédias ocorridas em Manaus e Roraima com a população carcerária, longe de ser um acidente, apenas escancaram ainda mais o caos que se encontra o sistema carcerário brasileiro. Um longo processo de ineficiência, abandono, desrespeito aos direitos humanos. As instituições prisionais já foram classificadas pela ONU e principais jornais do mundo como medievais. Não bastando esses recados, o país, ouvindo muitas vezes a parcela da mídia mais sensacionalista, população desinformada e indignada, e políticos que se aproveitam dessa situação, aumentou o número de prisões em mais de 200% nos últimos 10 anos. Estamos entre as maiores populações carcerárias do mundo. E somos a que mais cresce, atualmente.

     Brasil prende muito. Mas prende mal. Como disse o ministro da justiça. Nossa população carcerária é composta por um perfil claramente definido. 68% não possui ensino fundamental completo e 56% tem menos de 30 anos de idade. Entre os pobres, pretos da periferia, vemos é uma reprodução das desigualdades.

      As taxas de reincidência, embora careçam de um maior controle nos dados, como todos no que se refere a população de detentos no Brasil, giram em torno de 70%. Todos dados utilizados aqui podem ser acessados são fornecidos pelo Ministério da Justiça através do INFOPEN.  

     Não é de se surpreender quando se conhece as péssimas condições a que são submetidos os presos. Não estamos falando em luxo, mas em ter condições báscas para que o objetivo de ressocialização seja atendido. Caso contrário, os detentos regressam para a sociedade. Muito piores. Tento que se filiar a facções dentro do presídio e manter esse compromisso após a sua saída para manter-se a salvo.

     Em meio a esse mar de desesperança eis que temos uma ilha de possibilidade. Não que seja a solução, mas é uma excelente estratégia de transformação. E vem mostrando ótimos resultados: APAC.

     Surgida nos anos 1970 e reconhecida mundialmente a proposta ainda é pouco conhecida no Brasil. Criado por Mario Ottoboni, representante da pastoral carcerária, o método consiste na aplicação de doze passos: 1)participação da comunidade; 2) recuperando ajudando recuperando; 3) trabalho; 4) religião; 5) assistência jurídica; 6) assistência à saúde; 7) valorização humana; 8) a família; 9) o voluntário e sua formação; 10) Centro de Reintegração Social – CRS (O CRS possui três pavilhões destinados ao regime fechado, semi-aberto e aberto); 11) mérito do recuperando; 12) a Jornada de Libertação com Cristo.

     Enquanto os dados mostram um grau de reincidência de pelo menos 70% dos presos do sistema carcerário comum, nas APAC esse número cai para 10%. Para atingir essa ressocialização de 90% o modelo não utiliza policiais, armas ou qualquer tipo de violência. Os próprios presos, que lá são chamados de recuperandos, mantém todo o processo de limpeza, cuidados, alimentação e etc. É obrigatório o trabalho e estudo, o que compõe uma rígida rotina da manhã até a noite. Os apenados recebem ajuda dos voluntários que contribuem com atendimentos psicológicos, religiosos, esportivos e profissionais. Todo esse processo faz com que o custo de manter um condenado caia pela metade comparado ao sistema comum. Já há APACS espalhadas por várias cidades brasileiras.


     Estamos em fase de implementação da primeira no estado do Rio Grande do Sul, que irá ser na cidade de Canoas. Que vençamos o senso comum e jargões de ‘bandido bom é bandido morto’ ou ‘leva pra casa” e pensemos em soluções dentro da lei. Afinal, como diz a constituição, segurança pública é obrigação do estado mas dever do cidadão. Vamos contruir mais APACS? 


ps: Na foto, um corredor da APAC Barracão. (Local onde fiquei uma semana no regime fechado. E voltei transformado.). APAC não é a utopia, mas nos faz caminhar. 

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

2016...7

E não é que 2016 terminou? 

Dizem que o que é bom dura pouco. Prefiro pensar que os melhores momentos moram com a gente pra sempre. 

De toda a forma,não restam dúvidas que 2016 foi um ano marcante. Não somente no Brasil, mas em todo o mundo. Infelizmente o que mais chamou atenção foram aspectos negativos. Como de costume, nós e a mídia, valorizamos muito mais os aspectos menos felizes. (A única alegria da ovelha é ver a ovelha do lado ser morta pelo lobo?  Vale a reflexão). 

Mas enfim, assim como 1968, penso que 2016 também entrará para a história como um ano emblemático. Diferente do auge da guerra fria, endurecimento da ditadura no Brasil e América latina, movimentos de contestação e contra cultura na América e na Europa, tivemos outros momentos, mas também foram de utopias e barbáries. 

Aliás, muito do que as revoluções da época lutaram continua em jogo. Voltaram também algumas barbáries do século passado que acreditávamos não ter mais espaço. 

Ao invés de detalhar os aspectos como uma retrospectiva, prefiro pensar em 2017 já. Afinal, como historiador, enxergo melhor pelo retrovisor. Ainda estamos tentando entender 2016. Nada melhor que o tempo, para curar, doer, lembrar ou esquecer. Sem dúvida ajuda a entender. 

Esquecer talvez seja o melhor. Não com um tom trágico. Melancólico. Mas no sentido de arejar, mudar, sacudir e transformar. Black Mirror traz a medida adequada dessa reflexão no episódio do chip memória. De forma tão brilhante quanto Jorge Luis Borges, em seu conto, Funnes, el memorioso. Não conseguir esquecer é parar de pensar. E de sentir. 

Só espero que a troca do ano não seja uma mudança de Obama por Trump...

Afinal, 2017 chega tragicamente em praticamente todo o mundo. Precisamos aprender que não adianta mudar o ano se continuarmos iguais. 

Concordo com Drummond. 

Que esqueçamos nossos nós de 2016 (não no sentido de ignorar) mas no de transformar. E que venha 2017 e novos "nós". 





PS: Na imagem uma triste relação com a passagem de ano e a morte de um dos maiores intelectuais do nosso tempo. Nos deixa o pensador pós-moderno Zygmunt Bauman. Ele que nos trouxe a sociedade líquida e toda sua complexidade. Como historiador, não me surpreenderia se a época em que vivemos passe a ser chamada nos livros didáticos do futuro de "idade líquida". 

(Espero que a pós-modernidade de Obama não seja esquecida perante medievalismo de Trump).