Nas
últimas duas semanas assisti a dois filmes que estão martelando ainda em minha
cabeça e se conectando em vários pontos com os demais temas que também estão
estacionados nela, nos últimos tempos.
Penso
não ser uma exclusividade minha mas algo que acompanhe a humanidade nesses
milhões de anos que viemos buscando entender o meio em que vivemos, as nossas
relações e nós mesmos.
O
sal da terra é um documentário
franco-ítalo-brasileiro de 2014, dirigido pelo alemão Wim Wenders e pelo
brasileiro Juliano Salgado. Foi indicado ao Oscar de melhor documentário na
edição do Oscar 2015. O longa é um olhar para a vida e a obra (ou a obra que é
a vida) do talentosíssimo fotografo brasileiro Sebastião Salgado.
Há tempos um filme não mexia tanto comigo. De
estudante do interior de Minas Gerais, passando pelo cientista econômico de
esquerda engajado de São Paulo, até o economista secretário barbudo que
trabalhava com grandes empresas em Londres. Isso tudo é Salgado. Isso tudo é
ele antes de se descobrir fotografo.
Já casado e com filhos ele resolve abandonar
sua carreira promissora e com barbas e cabelos ainda maiores, perdendo no
tamanho apenas para sua coragem, inicia a vida de fotografo para olhar as
pessoas e ver mais de perto.
Ele, assim como o budista que ouvi essa semana
fizeram as melhores definições de economia que já vi/ouvi. (outro momento falo
sobre isso). Deixou de ser um pós-graduado da economia para retratar em preto e
branco todos aqueles que estavam a margem da sociedade.
Olhando para os excluídos sociais da América
latina e da África ele inicia sua nova jornada. Tudo isso se mistura no filme.
Um pouco biográfico, um pouco didático, um pouco histórico, um pouco de tudo.
Mais muito de cada detalhe que torna o filme uma obra prima. Dirigido pelo
mestre Wenders e pelo filho do próprio fotografo o filme narra a vida e as
fotos, contando com depoimentos do Sebastião explicando o contexto de suas
fotos.
O filme tem partes fortes. Sebastião diz que
depois de acompanhar massacres, guerras, mortes e horrores que só os
seres-humanos são capazes de criar, ele adoeceu. A alma dele ficou doente. Ele
pirou por um tempo. Deixou de acreditar no homem. E aí inicia sua mais recente
fase que busca retratar a natureza, o meio e os animais. Mas quando a gente
pensa que ele “perdeu” é aí que vem a grande surpresa do filme, que muitas
vezes chega a parecer ficção de tão interessante e surpreendente.
Ele se cura, sua alma passa a estar livre da
melhor forma possível. Ele se conhece, se reconhece e passa a agir ainda mais
como um agente de transformação. Filme brilhante que busca olhar para nós,
homens, bichos, seres que somos um pouco homens, um pouco bichos mas que
através do meio em que vivemos conseguimos ultrapassar tudo. Resumo: Palmas no
final da sessão. (merecidas). Planos no final da sessão (ainda acontecendo)
Mudanças no final da sessão (já estão começando).
Força maior foi o segundo filme. Ele é como a
vida. Alguns saíram do cinema reclamando que não tinha nexo. (e a vida tem?),
alguns elogiando e dizendo que é divino (e a vida não é?). Sem dúvida o filme
tem partes tristes, chatas, cansativas, mas tem momentos de gargalhadas,
reflexão, aventura, enfim, é como a vida. O filme busca retratar a vida. A vida
de uma família. De homens, de mulheres, de crianças. Todos um pouco humanos, um
pouco bichos.
Uma família sueca passa as férias nos Alpes para
esquiar. Eles ouvem um estrondo, que poderia ser um alerta de avalanche. Mas o pai não acredita na
possibilidade de perigo. Enquanto comem, são surpreendidos pela
avalanche. O pai reage com covardia, o que fará com que ele seja perseguido
pelos seus erros até o fim de sua vida.
Respeitando o tempo, enaltecendo os diálogos,
reverenciando a natureza gelada, o filme talvez não seja para todos. Deixa
muitas questões no ar. Não possui piadas prontas. Não é rápido e não é
didático. Mas é muito bom. Diferenças entre gêneros de uma maneira nada obvia.
Relações pensadas de maneira diferente. Medo e coragem não da maneira
convencional. Filme simples mas muito complexo.
Pensar até onde somos bichos e onde somos homens.
Racionais ou instintivos. O que faz o homem ser um homem. (essa semana discuti
bastante sobre essas relações. Sexo, religião, economia, guerra, palavra, fogo,
agricultura, choro, sorriso, elogio e crítica. Enfim, como mostram os finais de
ambos os filmes, nós só somos quando nos relacionamos. Com o nosso meio, com os
outros e com a gente mesmo. Contexto e Autoconhecimento. Homem e meio. As
tecnologias nos expressam, retratam, nós interpretamos. Enfim, continuamos
caminhando. E tudo está absurdamente conectado.
Filmes: O Sal da Terra e Força Maior estão em
cartaz nos cinemas J
Na foto o uruguaio Eduardo Galeano (1940 – 2015) que nos
deixou entre tantas lições, uma sobre caminharmos rumo à utopia.